Morre Aldyr Garcia Schlee o criador da camisa canarinho da Seleção Brasileira; cartunista gaúcho ganhou um concurso quando tinha 19 anos
Antes da bola rolar no amistoso entre Brasil e Uruguai, na última sexta-feira (16), na Inglaterra, foi respeitado um minuto de silêncio em homenagem póstuma ao escritor e cartunista Aldyr Garcia Schlee, responsável pela criação da camisa verde e amarela.
Aldyr morreu na quinta-feira (15), aos 83 anos, no Hospital Beneficência Portuguesa de Pelotas (RS). Há dez anos ele lutava contra um câncer de pele.
Confesso que não sei se a homenagem se estendeu em todos os jogos rodada de fim de semana do Campeonato Brasileiro, peguei as partidas em andamento, mas sei que ocorreu no confronto entre Grêmio e Chapecoense como registrou a Rádio Gaúcha
Em tempos em que times de futebol lançam uniformes em uma velocidade impressionante, inclusive com cores e modelos que em vários casos não tem nada a ver com sua história, entendo ser interessante falar como o Brasil conquistou o mundo do futebol com a imponente camisa amarela e calção azul.
Aldyr foi o vencedor da promoção lançada em 1953 pelo Jornal Correio da Manhã e acreditem: o jovem cartunista tinha apenas 19 apenas e trabalhava em um jornal em Pelotas.
Surgia ali a camisa Canarinho que seria imortalizada na voz do locutor esportivo Geraldo José de Almeida.
O fato de Aldyr ter morrido na véspera de um Brasil e Uruguai tem suas coincidências.
O concurso para definir as novas cores do uniforme da Seleção Brasileira foi lançado justamente para amenizar um pouco a dor da derrota para o Uruguai na Copa de 50, no Maracanã. Até então a Seleção Brasileira jogava de camisa branca.
Outro detalhe é a ligação do artista com o Uruguai. Nascido em 22 de novembro de 1934 em Jaguarão, cidade gaúcha que faz fronteira com o país.
O jornalista Alex Bellos revela no livro “Futebol. O Brasil em Campo” revela onde estava Aldyr no dia 16 de junho de 1950, data da final entre Brasil e Uruguai.
“… ele tinha 15 anos, estava em solo uruguaio. Ele tinha atravessado a Ponte Mauá para ir ao cinema. Durante uma das fitas a projeção parou, as luzes foram acessas e uma voz grave disse em espanhol.
“Atenção. O Cine Rio Branco tem o prazer de informar que os uruguaios são os campeões do mundo”. Relatou que a plateia se levantou e cantou o hino nacional.
A forma como Aldyr venceu o concurso é contada com detalhes no livro “Futebol. O Brasil em Campo” de autoria de Alex Bellos que nasceu na Inglaterra e que na época da publicação em 2003 morava no Rio de Janeiro de onde foi correspondente de 1998 a 2003 dos jornais ingleses Guardian e Observer.
“Futebol. O Brasil em Campo” é um livro fantástico que comprei em 7 de janeiro de 2003 e traz histórias maravilhosas do nosso esporte bretão.
No prefácio do livro, o jornalista Arthur Dapieve destaca uma queixa recorrente na imprensa esportiva brasileira que o futebol-arte morreu.
“Mas humildemente nos obrigaria a admitir que a crônica-arte também morreu: ninguém mais escreve como Nelson Rodrigues, João Saldanha e Mário Filho, para não falar em diletantes como Stanislaw Ponte Preta ou Paulo Mendes Campos. Salvo, naturalmente, os cada vez mais raros profissionais já em atividade ao tempo de Pelé, Garrincha & Cia”.
No parágrafo final, Dapieve cita que Bellos redescobre Aldyr Garcia Schlle, o inventor da camisa canarinho, em seu sítio nas redondezas de Pelotas. Rastreia desconhecidos jogadores brasileiros nas gélidas Ilhas Faroe…
E assim segue o texto na orelha do livro em uma publicação que recomendo por ser uma das melhores que já li sobre o futebol.
Se tivesse a honra e a competência de prefaciar um livro de tamanha importância claro que não deixaria de citar que Alex fez Bellos textos com base em longa e sólida pesquisa.
Na entrevista com Aldyr, a partir da página 63 do capítulo três “A Final Fatídica”, Bello cita que “o trabalho do jovem cartunista era criar imagens para as páginas esportivas e estava familiarizado com o desenho de jogadores de futebol”.
Diz que Aldyr entrou na competição por brincadeira e cita que “ficou escandalizado porque eles exigiam que as quatro cores da bandeira fossem utilizadas”, lembrou.
“Até três cores tudo bem. Mas com quatro fica realmente difícil. Nenhum time usa quatro cores. E as quatro cores da bandeira juntas não combinam muito. Como você pode combinar o amarelo e branco numa camisa? Acaba ficando com as cores da Santa Sé!”
Aldyr explicou ao jornalista o processo de eliminação que lhe veio à cabeça.
“Azul e branco ficam bem juntos – azul com detalhes em branco e vice-versa. Assim ficaram os calções escolhidos. Quais as cores que sobraram? Amarelo e verde – que de qualquer jeito são as cores mais usadas para representar a nação. Quando amarramos fitas nos cabelos elas são verdes e amarelas…”
“Fiz mais de cem desenhos. Fiz duas faixas com um x. Fiz um v como do [clube argentino] Velez Sarsfield. Cheguei à conclusão que a camisa tinha que ser toda amarela. Com o verde ficava incoerente. Amarelo combina com o azul e as meias podiam ser brancas.”
Foram mais de trezentos candidatos do Brasil inteiro, incluindo vários artistas gráficos profissionais.
“O uniforme de Aldyr foi o vencedor – uma camisa amarela com colarinho e punhos verdes, calções azuis com uma faixa vertical branca e meias brancas com detalhes em verde e amarelo.”
O projeto não seguiu estritamente as regras. Sua palheta não tinha o tom correto de azul celeste da bandeira. Ele usou o que tinha – azul-cobalto -, cor que, apesar disso, foi fielmente reproduzida e permanece no uniforme até hoje.
A comissão julgadora contou com Alberto Lima, membro da sociedade Brasileira de Belas Artes, que destacou que a distribuição de cores de Aldyr era a mais “harmoniosa”.
Em segundo lugar ficou Nei Dmasceno que havia desenhado o pôster da Copa do Mundo de 1950. Sua sugestão era uma camisa verde, calção branco e meias amarela.
Além de um prêmio em dinheiro – hoje calculado em torno de 20 mil reais -, ganhou o estágio de um ano como planejador gráfico e ilustrador no Correio da Manhã.
A estreia do novo uniforme foi no dia 14 de março de 1954, numa vitória por 1 a 0 contra o Chile, gol de Baltazar, Cabecinha de Ouro.
Aldyr recusou convites para desenhar uniformes de futebol profissionalmente. Só fez duas vezes desde então para equipes de Pelotas.
O livro de Bellos registra que o Grêmio Esportivo Brasil utilizou seu design por algumas temporadas. A camisa que fez para o Grêmio Atlético Farroupilha – metade vermelha, metade verde, com uma lista vertical amarela – não teria vencido nenhum concurso. O time vestiu uma vez, perdeu por 4 a 0, e nunca mais usou.
O ESCRITOR
Em 1955, Aldyr publicou a coletânea Cuentos de Fútbol e foi um dos finalistas do importante Prêmio Jabuti. Ao longo de três décadas de carreira, publico 12 livros.
O Jornal Zero Hora destacou que a obra artística de Aldyr Schlle “é peculiar e diferente da corrente mainstream [estilo] da literatura gaúcha”.
“Embora também enfoque com frequência o mundo rural e a mentalidade de fronteira, seus contos costumam ser ambientados no território entre Brasil e Uruguai”.
“Suas histórias renegavam o ufanismo cetegista (que colocam no presente valores passadistas uma referência ao Centro de Tradições Gauchas – CTGs). Preferia lançar um olhar não sobre valentes e tauras mas sobre as vidas pobres e sofridas á margem, tanto da história oficial quando do bandistimo” cita o jornal
LIVROS PÚLICADOS
- Contos de Sempre (contos, 1983)
- Uma Terra Só (contos, 1984)
- O Dia em que o Papa Foi a Melo (contos, 1991, publicado primeiro Uruguai, em espanhol, e editado no Brasil, em português, em 1999)
- Contos de Futebol (contos, 1997)
- Linha Divisória (contos, 1998)
- Contos de Verdades (contos, 2000)
- Os Limites do Impossível: Contos Gardelianos (contos, 2009)
- Don Frutos romance, 2010)
- Contos da Vida Difícil (contos, 2013)
- Memórias de o que já não será (contos, 2014)
- Fitas de Cinema (contos, 2015)
- O Outro Lado (romance, 2018)