REINALDO X KETLYN: QUE PENA!
Por: Simone Judica*
Quando Ketlyn era bebê, Reinaldo já era homicida.
Na madrugada de oito de junho de 2006, enquanto Ketlyn dormia tranquila em seu berço ou talvez fosse amamentada no seio de sua mãe, Reinaldo invadia sorrateiramente o cômodo onde seu vizinho Balzac residia e, ao vê-lo deitado e calmo, com uma machadada, partiu-lhe a cabeça, viu seu olho esquerdo estourar e enrolou o corpo da vítima num cobertor – para o sangue que pingava não deixar rastro no chão – e chamou um colega para ajudá-lo a se livrar do cadáver.
O corpo de Balzac foi colocado em um carrinho de mão e levado à margem do rio Tietê, em Araçariguama. No percurso, caiu e foi novamente acomodado na carriola. Reinaldo e o comparsa notaram que a vítima estava viva e, com golpes de uma peixeira, o assassinato foi consumado e o cadáver lançado nas águas, assim como as armas do crime.
Reinaldo não apenas confessou a prática do crime para o delegado em 30 de junho de 2006, como explicou o motivo. Uma semana antes de cometer o homicídio, havia flagrado Balzac, por uma fresta do madeirite que dividia os cômodos onde moravam, a espiar sua companheira tomar banho. Para Reinaldo, tratou-se de uma ousadia imperdoável. Para o delegado e para o juiz, tratou-se de crime hediondo e o assassino foi preso em 25 de agosto de 2006.
Ketlyn engatinhava, balbuciava suas primeiras palavras e encantava a todos ao seu redor com suas inocentes gracinhas, quando Reinaldo, aprimorando suas manobras ilícitas, fugiu da prisão, em 22 de janeiro de 2007, unido a outros bandidos, presos na Cadeia Pública de São Roque, vindo a ser recapturado em 11 de setembro de 2007.
Quando Ketlyn, feliz e entusiasmada, sentava-se nos bancos escolares para ser alfabetizada, Reinaldo, tenso e circunspecto, assentava-se no banco dos réus, no Tribunal do Júri do fórum de São Roque, em 1 de fevereiro de 2010, de onde se levantou condenado a uma pena de 15 anos de reclusão pelos crimes de homicídio duplamente qualificado por motivo fútil e recurso que impossibilitou a defesa da vítima e ocultação de cadáver.
Desde então, não sei como Ketlyn terminou sua infância e entrou na adolescência. Como qualquer menina, deve ter estudado, brincado, conquistado amigos, feito travessuras e malcriações, experimentado maquiagens e salto alto, rido com as amigas por coisas sem graça, bagunçado na escola, chorado e sofrido decepções e perdas, sonhado com artistas e cantores bonitos e idealizado um futuro que, certamente, não duraria tão pouco e não terminaria com uma faca cravada em seu coração.
Já sobre Reinaldo, sabe-se muito mais como viveu a partir de sua condenação.
Poucos meses após ser condenado, tentou mudar do regime prisional fechado para o semiaberto e não conseguiu. Em 2011, renovou a solicitação de promoção e o juiz responsável pelo presídio de Martinópolis, em que Reinaldo cumpria sua pena, negou o pedido, afirmando que seu histórico carcerário era desfavorável e continha faltas disciplinares graves, a demonstrar ausência de senso de responsabilidade e inadequação à terapêutica penal aplicada no sistema penitenciário.
O mesmo juiz, embora ciente desse histórico, promoveu Reinaldo para o regime semiaberto, em maio de 2012.
Art. 33 – A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. § 1º – Considera-se regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.” (Código Penal)
Até então, Reinaldo já havia fugido da Cadeia Pública de São Roque e obtido indevidamente uma serra na Cadeia Pública de Mairinque, a qual usou para tentar fugir da penitenciária de Paraguaçu Paulista, assim como havia buscado escapar de todas as nove unidades prisionais pelas quais havia passado.
Devido ao seu comportamento inadequado, durante a permanência no cárcere, Reinaldo ficou de castigo no chamado Setor de Isolamento.
A obtenção do regime semiaberto colocou-o a um passo do portão da rua. No início de 2014 pediu promoção para o regime aberto, para cumprir o restante de sua pena em liberdade.
Ao ser avaliado pela Comissão Técnica de Progressão de Regimes Prisionais do presídio de São José do Rio Preto, onde então cumpria sua pena, recebeu parecer desfavorável, pois demonstrava frieza e falta de arrependimento ao referir-se ao assassinato de Balzac e, no sentir da assistente social que o entrevistara, era indispensável um tempo maior de permanência na prisão, para Reinaldo “assimilar sua conduta transgressora antes de voltar ao convívio social”.
A Promotoria de Justiça também discordou do pedido feito por Reinaldo, em quem via “traços negativos de personalidade, os quais desautorizam a progressão”, e o Poder Judiciário negou sua transferência para o regime aberto.
Art. 36 – O regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado.” (Código Penal)
Meses depois, renovou o pedido e o discurso. Afirmou à equipe avaliadora que praticou o crime por impulsividade e mostrou compreender que seu ato homicida foi inadequado, assim como falou dos planos de trabalho honesto e convivência familiar harmoniosa que mantinha para o futuro. Convenceu a psicóloga de que fazia “uso apropriado dos mecanismos de controle de seus impulsos”, além de “não sugerir comprometimentos psicopatológicos que possam dificultar sua convivência em meio aberto”.
Desta vez, os pareceres da Comissão Técnica e da Promotoria de Justiça foram favoráveis à progressão para o regime aberto.
Os profissionais que avaliaram Reinaldo não perceberam que ele continuava o mesmo homem que matou Balzac e, com base na lei, em 1º de abril de 2015, o juiz de Direito autorizou que Reinaldo cumprisse o restante de sua pena em liberdade, menos de dez anos após seu primeiro homicídio duplamente qualificado com ocultação do cadáver.
Pena que não foi mentira. Em 7 de abril de 2015 Reinaldo voltou para Araçariguama, onde não tardou a fazer jus a sua fama de sujeito violento e agressivo, em círculos sociais e familiares.
Nesta semana, matou a enteada Ketlyn, de apenas 14 anos, a facadas, para a seguir suicidar-se com a mesma arma. A motivação do bárbaro crime não está esclarecida, mas qualquer que tenha sido, é por completo indigna, injusta, inconcebível e inaceitável.
A EMEF Antonieta Chaves Cintra Gordinho, de Araçariguama, em luto, descreve Ketlyn como uma menina meiga, doce, inteligente, acolhedora e carinhosa. E seus familiares, seus amigos, seus professores, sua igreja e todas as pessoas que prezam a vida choram a sua perda, na tarde da última quarta-feira (30), quando Reinaldo, seu padrasto, declarado oficialmente capaz de controlar seus impulsos, decidiu cravar uma faca no seu coração.
Que pena que, no sistema prisional do Brasil, as penas são, na maioria das vezes, apenas um intervalo para o cometimento de novos crimes.
* Simone Judica é advogada, jornalista e colunista do site www.vanderluiz.com.br (simonejudica@gmail.com.br)
Leia e compartilhe a coluna São-roquices”
Belíssimo artigo e esclarecedor parabens
Infelizmente temos que mudar essas Leis no Brasil pois cada,dia muitas mulheres morrem no Brasil, é o que faz isso acontecer e a certeza da impunidade que assola o nosso País.
A melhor resposta vai ser voce eleitor nos dia das eleições pesquisando o que foi feito para ocorrer essas mudanças. Sou Lucilene do grupo NAVV – Núcleo Apoio Vitimas de Violência.
Parabéns pela São-roquice desta semana, um tapa na cara da impunidade.
Sempre muito coerente, sensata e justa em suas matérias. Parabéns pelo texto Dra. Simone Judica.