IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO: UM IMORTAL QUE PASSOU POR SÃO ROQUE
Por: Simone Judica*
Na noite da última sexta-feira (18), o jornalista e escritor Ignácio de Loyola Brandão, araraquarense de 83 anos de idade, tomou posse na Academia Brasileira de Letras, na cidade do Rio de Janeiro, para ocupar a cadeira número 11, cujo patrono é o poeta carioca Fagundes Varella. Desde então, foi-lhe oficialmente declarada a imortalidade, predicado que já havia conquistado, de fato, por meio de sua apreciada e premiada obra literária.
A imortalidade dos acadêmicos vem do selo oficial da Academia Francesa, decorado com a inscrição À l’immortalité. Inspiradas nessa expressão, agremiações de Letras e Cultura ao redor do mundo adotam o costume de chamar seus integrantes de imortais.
A notícia da posse de Ignácio de Loyola Brandão na Academia Brasileira de Letras, de importância nacional e internacional, soaria muito longínqua aos são-roquenses, não fosse a presença do escritor por duas vezes na Biblioteca Pública Municipal Arthur Riedel, em São Roque, para participar de eventos literários promovidos pela Secretaria de Estado da Cultura. Ambas as ocasiões marcaram de maneira indelével minha vida de eterna aspirante a escritora.
A primeira visita de Ignácio de Loyola Brandão a São Roque, em 28 de junho de 1991, foi também a primeira vez que vi de perto um escritor consagrado nacionalmente. Até então, eu somente havia visto essa espécie pela televisão, em páginas de jornais, revistas e livros ou pelos olhos da imaginação.
Quanto a Ignácio de Loyola Brandão, sua imagem era-me familiar apenas em razão de pequenos retratos publicados na contracapa de alguns de seus livros. Nunca havia ouvido sua voz ou visto uma filmagem em que ele aparecesse.
Lembro-me de que, naquela noite muito fria, cheguei à Brasital com o coração aos pulos, convicta de que ouvir o que aquele homem ilustre tinha a dizer por certo haveria de fazer grande diferença na minha vida. Estava em dúvida se encontraria um sujeito taciturno e rabugento ou uma criatura pomposa, talvez extravagante, que revelaria segredos e técnicas de escrita mirabolantes, cujo linguajar talvez eu sequer pudesse compreender!
Enganei-me. Vi um homem franco, meio descabelado, com jeito de pessoa do interior, a contar memórias de infância e mocidade, descrever a importância de suas primeiras professoras, enaltecer a alma piedosa de sua mãe e a sabedoria de seu pai, um ferroviário apaixonado por livros que o iniciou no mundo da Literatura, e valorizar suas raízes, sua gente e sua terra, Araraquara.
Fiquei cativada e, quando Loyola contou um pouco das técnicas usadas na composição de seus livros e as dificuldades encontradas na vida de um escritor, embriaguei-me com suas palavras e, naquela noite, fui dormir aquecida pela convicção de que se um dia fosse jornalista e escritora, também daria valor e voz a minha terra e minha gente.
Passados vinte e três anos, Ignácio de Loyola Brandão voltou a São Roque, na tarde de 8 de outubro de 2014, desta vez por meio do programa denominado Viagem Literária, do Governo do Estado de São Paulo.
Na Biblioteca Pública Municipal Prof. Arthur Riedel, diante de alunos das escolas “Horácio Manley Lane” e “Barão de Piratininga”, professores, escritores e leitores, Ignácio de Loyola Brandão, com a fala a um só tempo pausada e apaixonada, narrou sobre os caminhos que têm percorrido em sua trajetória literária, fazendo paradas diante de personagens interessantes e curiosas e paisagens ora nostálgicas, ora contemporâneas, com as quais vêm se deparando ao longo da vida.
Enquanto apresentava um cenário e outro dessa viagem, Loyola deu uma verdadeira aula sobre o processo de criação literária, ao explicar passos importantes da formação e da identificação das personagens e do enredo de seus textos, e mostrar, por meio de exemplos estampados em seus trabalhos, que a observação rotineira dos ambientes e das pessoas comuns fornece, de fato, fonte segura e fértil de material para a composição de qualquer gênero literário, seja crônica, conto ou romance.
Loyola é um escritor que propõe a desmistificação da Literatura, para que ela seja vista e alcançada por todos, como fonte não somente de conhecimento, mas de esperança e transformação.
É um homem esperançoso de que a Literatura deve estar a serviço de mostrar a poesia que há nas coisas por vezes pequenas, não raro aparentemente insignificantes, da vida, assim como deve ser uma trincheira na luta contra o ódio, a mentira, o autoritarismo e a desigualdade, como expressou em seu discurso de posse:
“Para desenvolver o Brasil precisamos de Desenvolvimento, democracia, liberdade, saúde para sobreviver, ensino e trabalho, ausência de fome e miséria, de segurança e acima de tudo ética e verdade. E principalmente nos relacionarmos sem ódio, indignação, acirramento. Não podemos repousar a cabeça alheios ao terror nem permitir que nos arranquem a voz de nossas gargantas”, declarou da tribuna da Academia Brasileira de Letras.
Ignácio de Loyola Brandão ostenta longa, variada e premiada experiência no Jornalismo e na Literatura, com passagens por jornais, revistas e a produção de mais de quarenta livros, muitos deles traduzidos para vários idiomas, além de uma expressiva vivência como cronista. Todas as sextas-feiras, o jornal O Estado de S.Paulo publica suas crônicas, no Caderno 2.
É bonito ver que essa grandeza, agora elevada à imortalidade, não o afasta de suas origens. Araraquara viveu a posse na Academia Brasileira de Letras junto com seu filho ilustre. A cidade deu-lhe de presente o “fardão”, a vestimenta de gala que os acadêmicos usam nas solenidades, muitos araraquarenses foram à cerimônia e, em seu discurso de ingresso entre os imortais, Loyola fez questão de enaltecer sua família, seu povo e seu chão.
Em sua última visita a São Roque, Ignácio de Loyola Brandão enfatizou que todas as cidades precisam ter os seus cronistas, com um olhar atento e observador sobre os acontecimentos do cotidiano e as personagens, desde as mais comuns até aquelas consideradas mais expressivas, que dão vida a cada lugar.
Finda a apresentação, o amigo e leitor Luiz Capy, que fotografava o evento, disse a Ignácio de Loyola Brandão que eu era uma cronista da cidade. Gentilmente, o escritor me chamou, perguntou o meu nome e disse que queria me entregar algo. No livreto de divulgação da Viagem Literária, ele me escreveu uma preciosa mensagem, carinhosa e poderosamente incentivadora:
Simone, cronista de São Roque, escreva, sem se importar se vão gostar. Escreva, desafie. Beijo. Loyola. 08.10.14”
Honrada, sensibilizada e grata, guardei essa mensagem entre os meus pequenos grandes tesouros. E tenho, a cada novo texto que apresento aos meus leitores, procurado cumprir a recomendação.
* Simone Judica é advogada, jornalista e colunista do site www.vanderluiz.com.br (simonejudica@gmail.com.br)
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