NEM TUDO SÃO FLORES
Por: Simone Judica*
Não fosse o espocar das floradas dos ipês – amarelos em sua maioria – em diversos pontos da cidade, seria difícil supor que desde a última segunda-feira já é Primavera, tal a guerra travada entre as estações!
Inverno e Verão, extremados e coléricos, já dispostos pelo sábio Criador de maneira a sequer se encontrarem na ordem das estações climáticas, de uns tempos para cá têm mandado às favas as leis da natureza e, a toda força, tentam se impor, mesmo que para isso seja necessário massacrar o Outono e a Primavera.
Na última semana do Inverno, o termômetro instalado no Largo dos Mendes registrava, por volta das 13h, a marca dos 41 graus Celsius. A temperatura, exagerada até mesmo para os dias mais escaldantes do Verão, destoava por completo dos padrões meteorológicos de São Roque e configurava-se em verdadeira expulsão da estação da vez e em declarada intimidação à Primavera, para que não ousasse desabrochar, sob pena de ter suas flores e seus brotos implacável e prontamente estorricados.
O Inverno, tomado de assalto, parecia sem forças para reagir, retomar seu posto e despedir-se com modos serenos para enfim passar o bastão das estações à doce e graciosa Primavera. E ela, a seu turno, quase desfaleceu e sucumbiu ante o fogo do Verão que a atropelava e pretendia consumi-la.
Entretanto, igualmente temperamental e pouco afeito a dar-se por vencido, o Inverno recobrou sua energia e, num sopro, cobriu o céu de nuvens densas e cinzentas e mostrou que não está disposto a suportar brincadeiras e provocações do Verão, que parece haver entendido o recado e tomado o seu rumo, batendo em retirada.
A Primavera atordoou-se e mostrou-se fragilizada entre os desentendimentos e destemperos desses dois valentões. Porém, como sua delicadeza está muito longe de ser sinônimo de falta de vigor, aprumou-se para tomar o seu lugar.
A Primavera guarda um bom fôlego para soprar suas brisas e assim arejar a natureza e posicionar nuvens carregadas que, com chuvas passageiras, banham, regam e nutrem a terra e as plantas. E, além disso, conta com um bando de aliados que não a deixam sozinha na missão de promover a renovação da vida, os pássaros, que por esta época com mais entusiasmo voam e cantam, intensificam suas algazarras e namoriscam alegremente.
E assim, após vários dias de embates, finalmente hoje, enquanto escrevo a coluna São-roquices, já avisto, pela janela, várias inspiradoras nesgas de céu azul entre as nuvens que já não estão de todo acinzentadas como no início da semana.
A Primavera, de mansinho, vai se estabelecendo sobre as paisagens, as pessoas e os bichos a cada novo dia e dessa maneira natural, suave e gratuita, traz viço à paisagem, colore, embeleza e perfuma a cidade e o campo.
AGOSTO DOURADO DE IPÊ
Se a Primavera já é um espetáculo por sua própria natureza, quando ganha um reforço sóbrio por parte das mãos humanas se torna ainda mais exuberante e expressiva e todos podem se beneficiar com isso.
A floração anual do ipê amarelo a partir do mês de agosto é tradição secular em São Roque, assim como a reação de embevecimento e ternura dos são-roquenses diante de cada ipê que explode em ouro aqui, ali e acolá.
A presença e o significado do ipê amarelo para São Roque fazem-no, inclusive, presente na letra do hino oficial do Município, em cujo refrão se canta “São Roque, São Roque, agosto dourado de ipê…”.
IPÊ AMARELO: ÁRVORE-SÍMBOLO DE SÃO ROQUE
Com o objetivo de tornar uma das expressões típicas da Primavera em São Roque ainda mais marcante e útil é que foi idealizada a instituição do ipê amarelo como árvore-símbolo da cidade.
Atenta a esses pontos, esta colunista, em setembro 2017, por meio da coluna São-roquices, procurou chamar a atenção das autoridades sobre a importância de se incentivar o plantio e o cultivo adequados de ipês amarelos e de despertar na população um carinho ainda maior por essa espécie e o desejo de tê-la em seus quintais, jardins e calçadas e vê-la pela cidade inteira.
Por fim, como dito àquela ocasião, essas ideias foram semeadas com a intenção de que a cidade ficasse tão dourada que o ipê passasse a ser sua árvore símbolo e, logo mais, São Roque teria tudo para tornar-se a capital paulista dos ipês.
As ideias semeadas na coluna São-roquices caíram em terreno fértil. O vereador Niltinho Bastos colheu e acolheu cada uma das propostas elaboradas em torno da indicação do ipê amarelo como árvore símbolo de São Roque para transformá-las na lei municipal nº 4.725, de oito de novembro de 2017.
Além de fazer do ipê amarelo a árvore símbolo de São Roque, inspirada no texto da citada coluna, a lei autoriza o poder público municipal a promover campanhas de incentivo ao cultivo da espécie e de distribuição de mudas à população e dispõe sobre o plantio de ipês amarelos em todas as repartições, escolas e vias públicas do Município, a concessão de incentivos fiscais a pessoas físicas e jurídicas que cultivem a árvore em suas residências, empresas e passeios públicos e a realização de concursos que premiem os mais belos e viçosos ipês amarelos cultivados e as mais bonitas fotografias que os retratem.
Também a partir das sugestões elencadas pela coluna São-roquices, o projeto de lei trata da promoção do “Festival dos Ipês”, com uma programação voltada à visitação aos locais em que as floradas estiverem mais expressivas, atividades culturais, educativas, ecológicas e gastronômicas.
DOURAR SEM OURO TAMBÉM É POSSÍVEL
A lei que declarou o ipê amarelo árvore-símbolo da Estância Turística de São Roque estabeleceu, também, que o Município pode celebrar convênios e parcerias com a União, os Estados, entidades da sociedade civil e pessoas jurídicas de direito público e privado, com vistas à realização de todos os objetivos que traça.
Ou seja, há uma gama enorme de atividades a serem desenvolvidas para executar os itens previstos na lei e dourar a cidade com ipês, sem que o Município precise investir dinheiro de seus cofres, pois a lei prevê as parcerias com entidades de direito público e privado justamente para que elas respondam pelo custeio dos plantios, manutenções e programações, enquanto a Prefeitura da Estância Turística de São Roque arcaria, somente, com a organização do trabalho, por meio de seu corpo de servidores e até mesmo de voluntários.
É bastante comum em inúmeras cidades, não somente do Brasil, mas de todo o mundo, que empresas adotem praças, jardins e áreas de pequeno ou grande porte, responsabilizando-se por sua manutenção. Com isso, a iniciativa privada cumpre seu papel social e investe em sustentabilidade, enquanto divulga sua marca.
Vale lembrar, ainda, que no caso específico dos ipês, também é prática corrente o compartilhamento de sementes e mudas de maneira gratuita. Basta uma rápida pesquisa pela Internet para se localizar doadores.
PÉTALAS AO VENTO ?
Só há sentido em existir uma legislação em vigência para estabelecer o ipê amarelo como a árvore-símbolo da Estância Turística de São Roque se forem, de fato, tomadas as medidas previstas na mesma lei para que a espécie esteja presente e bem cuidada nos cenários públicos da cidade e a população seja motivada a aderir ao seu cultivo e à programação que servirá para valorizar São Roque como um todo e atrair mais visitantes e recursos para áreas distintas dos polos turísticos tradicionais da cidade.
De acordo com informações contidas no site da Prefeitura da Estância Turística de São Roque, o Fundo Social de Solidariedade local tem efetuado o plantio de mudas de ipês amarelos, entre outras espécies, nas edições periódicas do projeto chamado “Nascer Verde”, cuja proposta é o plantio de uma árvore para cada criança nascida no Município.
Ainda conforme nota divulgada pelo site da Prefeitura, o projeto “Nascer Verde”, iniciado em 2017, teve sua 13ª edição em 25 de abril deste ano e, ao longo de todas as suas ações, já foram plantadas mais de duas mil mudas de espécies diversas.
Esse trabalho, embora louvável e importante para reforçar a presença dos ipês amarelos em São Roque e promover conscientização ambiental e embelezamento da cidade, não é a esperada expressão de concretização do plano descrito pela Lei Municipal nº 4.725/2017. Na verdade, são dois temas distintos.
Na manhã de ontem (26) solicitei à Prefeitura que informasse se já tomou alguma providência para realizar as atividades previstas por essa lei e também se foi feita dotação orçamentária para a execução das atividades nela contempladas.
Até o momento da publicação desta matéria a Prefeitura da Estância Turística de São Roque não havia respondido.
ASSUNTO E SILÊNCIO QUE DÃO FLOR
E para que não se diga que não falei de outras flores, a Prefeitura da Estância Turística de São Roque igualmente se manteve em silêncio, até o momento da publicação desta matéria, diante do segundo questionamento que lhe foi apresentado na manhã de ontem, para indagar se há previsão de data para compra das plantas cuja aquisição vem sendo disciplinada pelo processo licitatório nº 129/2019, e quais os locais onde deverão ser plantadas, tendo em vista que já foram declarados os cinco vencedores do certame, de acordo com o site da Prefeitura.
O assunto ganhou visibilidade e tornou-se uma grande polêmica na cidade a partir de pronunciamento feito durante a sessão da Câmara Municipal da Estância Turística de São Roque, no dia dois de setembro último, pelo vereador Guto Issa (REDE), que manifestou o espanto e a indignação que o acometeram ao tomar conhecimento da abertura de processo licitatório tendo por objeto Registro de Preços de milhares de plantas e mudas de espécies ornamentais a serem utilizadas em paisagismo de jardins públicos do Município, conforme quantidades e especificações pormenorizadas em um dos anexos do edital, no valor estimado de R$ 1.413.847,50.
O debate não girou apenas em torno da necessidade de uma compra dessa natureza e desse porte para a realidade paisagística do Município de São Roque, mas, também, ateve-se à escala de prioridades para se gastar o dinheiro público. Afinal, numa cidade em que constantemente se afirma faltar dinheiro aos cofres do governo municipal para projetos ligados à saúde e à educação, causa estranheza cogitar-se de um investimento milionário para florir jardins.
Em nota divulgada na mesma data, a Prefeitura assegura que “é importante esclarecer que o fato de existir o registro de preços não significa que todos os itens e quantidades serão adquiridos, mas sim que, pelo período de um ano, cada item estará disponível pelo preço que foi licitado”.
De fato, a realização dessa modalidade de licitação não obriga a Prefeitura a adquirir todas as milhares de plantas e mudas elencadas pelo edital. Porém, não se pode deixar de considerar que governo algum, seja federal, estadual ou municipal, promove processos licitatórios ou cotações de preços à toa ou por mera curiosidade, se não há um interesse, mínimo que seja, na aquisição, mesmo que parcial, do que se licita ou cota.
Para simplificar: quem encomendaria o orçamento de um helicóptero, uma obra de arte ou um equipamento caríssimo se não nutrisse a expectativa ou a esperança de comprá-lo?
Os ipês amarelos aparecem na lista sob a descrição de “ÁRVORE ENRAIZADA EM SACOS PLÁSTICOS COM NO MÍNIMO 1,80 METROS DE ALTURA – COM GALHOS SECUNDÁRIOS”, pelo valor unitário de R$ 33,33. A estimativa é de aquisição de mil unidades, a totalizar R$ 33.330,00.
BEM-ME-QUER, MAL-ME-QUER
Estou certa de que, por meio de um trabalho de conscientização eficiente, à Estância Turística de São Roque não faltarão empresários e parceiros que garantam mil ou mais mudas de ipês amarelos para adornar praças e jardins.
Uma boa campanha nesse sentido redundaria em muitas doações de mudas e árvores enraizadas de ipês amarelos. Eu mesma faria questão de doar ao menos uma e não duvido de que a maioria dos são-roquenses teria a mesma atitude.
Vale lembrar, também, que desde 27 junho de 2017 está em vigência a Lei Municipal nº 4.682, cuja iniciativa partiu do prefeito Cláudio Góes, que instituiu o projeto “Adote uma Praça ou Área Verde” no Município de São Roque.
A lei, regulamentada em 23 de outubro de 2017, por meio do Decreto nº 8.673, também de autoria do Chefe do Executivo, segundo seu artigo 1º, parágrafo 1º, tem a finalidade de executar, a expensas da iniciativa privada, melhorias urbanísticas, paisagísticas e a manutenção e conservação de áreas públicas no Município de São Roque.
Pessoas físicas e jurídicas podem adotar áreas públicas do Município, como praças, jardins e canteiros, nelas instalando seus informes publicitários e placas. Para saber mais detalhes, basta ler os textos da lei e do decreto acima mencionados ou dirigir-se à Prefeitura.
Com a divulgação dessas informações e um trabalho de estímulo à iniciativa privada para se envolver no processo de conservação e adoção das áreas públicas, certamente será possível diminuir drasticamente a quantidade de mudas e plantas a serem compradas com dinheiro da Prefeitura.
As alternativas estão aí. E por certo há outras.
Mas, se ainda assim a Prefeitura optar por uma expressiva aquisição das plantas listadas, precisará de uma justificativa das mais convincentes para que a população compreenda e aceite que ajardinar a cidade às custas do Poder Executivo é, de fato, o melhor destino para uma tão grande soma de dinheiro público.
* Simone Judica é advogada, jornalista e colunista do site www.vanderluiz.com.br (simonejudica@gmail.com.br)
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