“Autoestrada” por Felipe Angiolucci
Numa cidade do interior, um carro pega uma das saídas na autoestrada e para em frente a uma venda, onde um senhor esta sentado, pitando.
– Oi, Boa tarde.
– Tarrrde.
– Como é que faz pra chegar do outro lado?
– Do outro lado da estrada?
– Isso.
– Ah, não tem jeito não.
– Como não?
– Ah moço, desde que terminaram essa rodovia é assim. Se você tem que ir pro outro lado você tem que pegar a rodovia ai até achar o trevinho.
– Sabe dizer qual é a distância até esse trevo?
-Oia… não sei exatamente. É que na verdade ninguém foi até lá pra ver.
– Mais isso é um absurdo. Nem faz sentido o que o senhor ta falando.
– E eu lá sou homem de mentir? Pra não falar que não foi, teve um rapaz que saiu daqui logo no dia que inaugararam a estrada. Mas ele nunca mais voltou, então a gente ta sem saber.
– Ta bom ta bom. Vou tentar ir a pé então. Vai ser mais rápido que fazer esse retorno ai, com certeza. Onde fica a passarela mais próxima?
-Ah moço, não sei dizer não.
– Não tem passarela pra ir pro outro lado?
-Oia, era pra ter uma passarela bem aqui, mas ainda não construiram.
-Não é possível. Você deve ta de brincadeira. Como é que vocês fazem para ir pro outro lado?
– A gente não faz.
– Como assim?
– Oia, acho que o senhor não ta entendendo a situação nossa aqui. Desde que construiram essa estrada ai a gente ta sem atravessar do outro lado e tendo que se virar com o que ficou do lado de cá. Por exemplo, os posto de gasolina ta tudo pro outro lado, mas pra cá tem muito capim, então a gente ta usando mais cavalo.
Igreja catolica também aqui só tem uma, nem cabe as pessoa de domingo. Mas igreja evangélica tem um monte, sobrando espaço, porque os evangélico tão morando do outro lado. No começo foi dificil, mas agora tamo rezando tudo junto.
Tem umas casa que ficou vazia também e já não mora mais ninguém na rua não.
Eu mesmo fiquei numa situação dificil: trabalho aqui nessa venda, mas minha casa ficava ali do outro lado. Tinha uma esposa e três filho. Ficaram tudo pra lá.
– Poxa vida, que tristeza.
– Não se preocupe não. A minha comadre tava desse lado da cidade e a casa dela também era do outro lado. A gente resolve se junta e mora numa das casa que ficou vazia por ai. Inclusive num tem nem um mês a gente se casou numa dessas igreja.
– Mas e telefone? Internet? Vocês não se comunicam?
– Tem tem, a gente conversa sim. A gente tem até um grupo no whatsapp. Olha aqui, se chama “Lado de lá”. A gente fica postando as coisas que acontece. Minha esposa mesmo, fica mandando foto de como ela tá, que ela se casou com o compadre nosso, que as criança já ta adptada com ele, com a escola nova.
– Mas como vocês estão se organizando? E o prefeito, não fez nada?
-Ah, deve ter feito. Mas a prefeitura ficou do outro lado. Aqui só sobrou a câmara. Tem até uma lei nova proibindo essa estrada de passar aqui, mas o prefeito ainda não assinou.
– Então falem com o governador!
– Mas isso aqui tudo foi ideia dele. Inclusive ele já ta preparando uma outra estrada pra passar pela região.
– Outra? Mas essa daqui não é nova?
– É sim. Não tem nem 6 meses.
– Então? Pra que fazer outra?
– É que essa é a provisória. A definitiva é a outra.
– E vão tirar essa estrada daqui?
-Não, nem brinque com isso.
– Não acredito. A estrada dividiu a cidade no meio, mudou a vida de todo mundo, e você ainda defende ela.
– Mas agora com ela da pra ir pra São Paulo rapidinho né? Fora os turista que ta vindo mais. Falando nisso, não quer dar uma olhada num vinhozinho não? Tem suave, tem seco, branco, tinto…
Felipe Angiolucci, 26 anos, professor de Sociologia
Sanroquense define-se como meio escritor, meio artista. “Fiz processo seletivo para ‘palhaço’ e não passei.”