SIMONE JUDICA - SÃO-ROQUICES

O PÃO QUE O DIABO AMASSOU

Por: Simone Judica*

Temporal enegreceu o céu de São Roque na última quarta-feira (27). (Foto: reprodução)

            – Assustou-se com as nuvens plúmbeas e ameaçadoras que toldaram a cidade de São Roque na última quarta-feira? Temeu ser golpeado por árvores, telhas, pés de alface, pencas de bananas e outras coisas que num átimo se tornaram alados pelo vigor do vendaval que pôs o Centro e os bairros em polvorosa?

– Viu-se a si mesmo, aos seus parentes ou conhecidos a tatear na escuridão e a tomar banho frio pela falta de energia elétrica decorrente da recente tempestade? Apavorou-se a imaginar como hão de ser os sinais dos fins dos tempos, descritos pelo livro do Apocalipse, ao ver o céu baixar, enegrecido, sobre sua cabeça, enquanto trovões ensurdecedores ribombavam em seus ouvidos?

 

Por mais intimidatórios que esses fatos e sensações se mostrem, eles parecem como uma singela brisa diante do que está por vir se a Polícia Federal aprofundar suas investigações na operação Cadeia Alimentar II ou se aqueles que foram aprisionados – se efetivamente tiverem culpa no cartório – resolverem se servir dos benefícios da delação premiada para amenizar suas penas ou, falando em penas, decidirem “abrir o bico”, a fim de não carregarem sozinhos o peso da responsabilidade pelo malfeito de tirar comida da boca das criancinhas. Ou, também, se delatarem os demais apenas para sentir o gosto de ver os outros devoradores da merenda a comer ao seu lado o pão que o diabo amassou.

Ao menos, é o que se deduz pelo que se ouve de muitas bocas nos bastidores da política, do empresariado e do comércio local durante esta semana.

Em São Roque, como parte das investigações da operação Cadeia Alimentar II, a Polícia Federal efetuou a prisão de dois suspeitos e apreendeu equipamentos eletrônicos, na segunda-feira (25). (Foto: reprodução)

 

A gestão municipal passada, conduzida pelo ex-prefeito Daniel da Padaria, foi, durante todo o mandato, impiedosamente bombardeada com toda sorte de acusações relativas à qualidade do serviço que prestou à cidade de São Roque e reiteradamente taxada de corrupta, tanto por adversários políticos quanto por parte da população, que lhe deu nas urnas sua resposta, consistente em apenas 3.929 votos, número que representou somente quase dez por cento da votação válida.

Assim, quando em janeiro de 2017 o Prefeito Cláudio Góes assumiu a cadeira do Poder Executivo Municipal, seu eleitorado e a oposição, respectivamente, esperavam e temiam que sua administração fosse pautada em dois pilares: governar a cidade com a maestria que fez dele o grande empresário de sucesso que é e desvendar as alardeadas maracutaias que, tanto se falou, pautaram o governo que se despedia.

Desde então, vieram à tona desmandos na Santa Casa de Misericórdia, irregularidades na implantação da Zona Azul com uso de parquímetros, aboliu-se a absurda e onerosa locação de veículos em favor da aquisição e renovação da frota municipal, substituiu-se a empresa de transporte público por outra e licitou-se a contratação do serviço de coleta de lixo, após certa insistência para que isso fosse feito sem o caráter emergencial.

No tocante à nova empresa de ônibus, é preciso lembrar que, além de não atender a população a contento, conforme prova o excessivo número de reclamações sobre as constantes mudanças e a insuficiência de horários, e receber soma de dinheiro inconcebível para significativa parcela dos munícipes, a título de subsídio,  recentemente se tornou alvo de ação judicial de improbidade administrativa em que o Ministério Público pretende a anulação da contratação da Mirage Transportes Coletivos pela Prefeitura e a realização de licitação para contratação de outra empresa prestadora de serviços de transporte público.

É certo que diversas outras coisas positivas vêm sendo realizadas pela administração municipal e merecem ser valorizadas. Desacertos também existem, como é próprio da vida e das gestões em geral, sejam privadas ou públicas, e é preciso haver compreensão, bom senso e paciência para não haver julgamentos precipitados, críticas destrutivas e promoção do descrédito do Prefeito e sua equipe.

Porém, o que ainda não se viu, passados quase três anos, é a apresentação, por parte do Prefeito Cláudio Góes, de um levantamento objetivo e minucioso dos supostos malfeitos praticados pelo ex-prefeito e seus assessores.

 

Não duvido que tão logo esta coluna seja publicada alguém se levantará para dizer que isso não é obrigação do governo municipal. De fato, não é. Porém, seria de bom tom que, a título de reciprocidade e consideração pelo povo que o elegeu, esse dossiê fosse trazido a público. Afinal, ressaltar a suposta falta de lisura do ex-prefeito Daniel foi um dos pontos mais enfáticos da campanha eleitoral  que elevou Cláudio Góes à Prefeitura de São Roque.

Também não duvido que será dito que a máquina administrativa está trabalhando a todo vapor e não tem tempo e pessoal para dedicar a essa tarefa investigativa. De fato, isso demandaria um esforço extra por parte de todos, mas, considerando-se o que poderia ser revertido em favor da cidade e da moralização da política, parece que o empenho não restaria sem recompensa.

A responsabilidade também se espraia aos gabinetes da Câmara Municipal, afinal, os vereadores têm, por lei, obrigação de fiscalizar o trabalho do Executivo. Lamentavelmente, por interesses político-partidários e particulares, a composição do Legislativo são-roquense, no quadriênio passado, também deixou muito a desejar nesse quesito, sendo poucos os que se levantaram para, com fundamentos, apontar as arbitrariedades que diziam ser cometidas.

Nada impede, porém, que os vereadores atuais se debrucem sobre documentos mais antigos e vasculhem eventuais irregularidades, para apresentá-las à população e às autoridades competentes. Garanto que isso renderia votos, o que pode ser um bom incentivo para que o façam.

As prisões realizadas no início desta semana indicam haver fumaça. Resta saber se o foco de incêndio que a originou foi um fogo isolado ou apenas um, dentre muitos que foram abafados.

Quem se fartou com o dinheiro da merenda merece, realmente, comer o pão que o diabo amassou. Se havia mais gente à mesa da fartura, nada mais justo que também se assente, agora, no banco dos réus.

O temporal da última quarta-feira castigou os feirantes que trabalhavam na Av. Bandeirantes. Os ovos espatifaram-se, levados pela ventania. (Foto: Alexandre Vitor Andrade)

Se, de fato, a Polícia Federal e o Ministério Público apresentarem provas categóricas do envolvimento de pessoas de São Roque na máfia da merenda escolar, creio que muitas reputações aparentemente ilibadas se espatifarão, como os ovos da barraca da feira, que no início da semana, o vento levou…

* Simone Judica é advogada, jornalista e colunista do site www.vanderluiz.com.br (simonejudica@gmail.com.br)

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Simone Judica

Advogada e jornalista.

1 thought on “O PÃO QUE O DIABO AMASSOU

  • O site do Vander traz muita informação importante para ficarmos por dentro do que ocorre em São Roque e região.
    Gosto muito da coluna da Simone Judica, pois a forma que ela escreve traz um enredo que atrai o leitor.

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