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Nhá Vita parteira, a “Mãe querida de todos aqueles que viu nascer”

Nhá Vita (Vitalina Mendes) com a bisneta Sylviane Júdica: “Quase todo lar são-roquense recebeu daquelas carinhosas e acolhedoras mãos o fruto marcante da realização de um sonho e da consolidação de um ideal”

COLUNA “ARQUIVO VIVO” PUBLICADA NO JORNAL O DEMOCRATA, 22/11/2024

“Corre chamar a parteira que vai nascer.” Essa frase fez parte do cotidiano de bairros, vilas e cidades por décadas. Embora atualmente a maioria dos partos ocorra em hospitais, o ofício de parteira ainda mantém relevância histórica e social. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 85% dos partos podem ocorrer sem intervenção médica. No Brasil, o índice de cesáreas alcança 55% do total de nascimentos, colocando o país em segundo lugar no ranking mundial.

Em São Roque, a figura de Nhá Vita se destacou entre as parteiras. Conhecida como  a “Mãe São-roquense” ou “Mãe de São Roque”, ela ajudou a trazer inúmeras vidas ao mundo, sendo reverenciada por sua dedicação. O jornal O Democrata de 31 de outubro de 1964 retratou o impacto de sua partida com a manchete: “Morreu Nhá Vita!”. Na edição, o redator Framen sugeriu um título alternativo para expressar a essência de sua contribuição: “Mãe querida de todos aqueles que viu nascer.” Título adotado neste texto.

Nhá Vita, cujo nome era Vitalina Mendes, faleceu em 27 de outubro de 1964, aos 93 anos de acordo com informação da família ao Jornal O Democrata. No projeto da Câmara Municipal de São Roque, que criou a medalha “Nhá Vita” consta que ela nasceu em 13 de junho de 1872. Dessa forma, teria falecido aos 92 anos. Era viúva de Luiz Mendes com que teve quatro filhos:

Benedita Mendes (solteira),
Blandina Mendes Júdica (casada com Ettore Júdica),
Roque Mendes (casado com Felícia Squilaro Mendes),
Mário Mendes (falecido, casado com Amélia Ferrarini Mendes).

Além disso, 19 netos, 31 bisnetos e uma tataraneta. Seu sepultamento ocorreu no mesmo dia no Cemitério da Paz. A família agradeceu publicamente o apoio recebido durante sua enfermidade e morte, reforçando a liderança de Nhá Vita em seu círculo familiar.

O trabalho incansável de Nhá Vita marcou gerações. Descrita como uma figura “frágil e irrequieta”, ela enfrentava as noites frias sob uma mantinha de lã, carregando sua valise, sempre pronta a atender quem precisasse. Suas ações, em tempos de recursos escassos, eram guiadas pela fé e pela dedicação, transcendendo a ciência da época.

RECONHECIMENTOS

Foi homenageada em vida com a nomeação de uma rua no bairro Junqueira. Em 15 de abril de 1964, o prefeito Rino Boccato oficializou a Rua Nhá Vita.

A Câmara de São Roque, por iniciativa da vereadora Cláudia Rita Duarte Pedroso, criou em 2021 a Medalha do Mérito Nhá Vita, entregue anualmente no Dia Internacional da Mulher, “a mulheres que tenham se destacado nas áreas da saúde, assistência social, educação, cuidados materno-infantis e afins”. Entre as homenageadas estão:

  • Anselma Foglia (2023), médica ginecologista (vereadora Dra. Cláudia)
  • Sidnéia Ferreira da Silva (2024), professora (vereadores Niltinho Bastos e William Albuquerque)

NHÁ VITA ADIVINHOU QUEM SERIA A ESPOSA DO PRIMEIRO BISNETO

O professor Mário Biazzi, 85 anos, é o primeiro bisneto de Nhá Vita, e o seu nascimento não poderia ser diferente. Ela trouxe o menino ao mundo no dia 21 de dezembro de 1938. Além disso, todos os dias, por volta das quatro da tarde, vinha dar banho no bebê. Porém, no dia 13 de janeiro de 1939, chegou atrasada, depois das sete da noite, para cuidar do bisneto que não tinha um mês de vida. No entanto, apresentou uma boa justificativa: “Venho da casa dos Bonini, onde fiz o parto de uma menina. E vou dizer uma coisa. Ela vai ser a esposa do meu bisneto.” Dizem que praga de parteira pega. Fique sabendo que previsão também dá certo.

Naquele dia, nasceu Mariza Marlene Bonini. “Soube dessa história antes de namorar a Mariza. Ela não fazia parte do meu círculo de amizade. Em 1947, participei da peça Branca de Neve e os Sete Anões. Ela foi a Branca de Neve e eu, o Atchim. O Ednelson Franco fez o príncipe. Mas, na vida real, em São Roque, o Atchim casou-se com a Branca de Neve, em 5 de julho de 1962”, relembrou em entrevista ao programa Linha Aberta em 31 de julho de 2021. O ator Juca de Oliveira (16 de março de 1935) também veio ao mundo pela mãos de Nhá Vita.

ENTREVISTA COM MÁRIO BIAZZI 

Na Câmara dos Deputados tramita o projeto de lei (PL 912/2019) que regulamenta a profissão das parteiras tradicionais e prevê qualificação básica de parteira tradicional pelo Ministério da Saúde ou secretarias estaduais de Saúde, além do pagamento de um salário mínimo.

Desde 2015, no dia 20 de janeiro, comemora-se o Dia Nacional da Parteira Tradicional, com base na data de nascimento de Juliana Magave de Souza, nascida em 1908 e falecida em 2005, considerada a parteira mais antiga na região de Macapá (Amapá). O Dia Internacional da Parteira é lembrado em 5 de maio, por iniciativa da Organização Mundial da Saúde.

D. VITALINA MENDES (NHÁ VITA) Triste e dolorosa notícia correu célere pela cidade, na manhã da última terça-feira, com a morte da prestante e veneranda sra. D. Vitalina Mendes (Nhá Vita), a Mãe São-roquense, como era geralmente conhecida. Logo que se espalhou a triste notícia, a sua residência encheu-se de pessoas amigas, que iam prestar-lhes a sua derradeira homenagem e levar palavras de conforto à família tão rudemente ferida. A saudosa extinta contava 93 anos de idade, era viúva do Sr. Luiz Mendes, deixando os filhos: D. Benedita Mendes, solteira; D. Blandina M. Júdica, casada com o Sr. Ettore Júdica; Sr. Roque Mendes, casado com D. Felícia Squillaro Mendes; Sr. Mário Mendes (falecido), que era casado com Amélia Ferrarini Mendes. Deixa 19 netos, 31 bisnetos e 1 tataraneta.
**MORREU NHÁ VITA!**
A notícia correu célere e brutal como todas as más notícias, na manhã de 27, estremecendo as nossas sensibilidades e cobrando de cada família o imorredouro testemunho de saudade devido a esse símbolo de bondade e abnegação.
Quase todo lar sanroquense recebeu daquelas carinhosas e acolhedoras mãos, o fruto marcante da realização de um sonho e da consolidação de um ideal. Os primeiros vagidos [choro de recém-nascido], o espernear de um recém-nascido e o sorriso meigo e agradecido de carinhosa mãe, foram sempre a melhor paga que recebeu em troca da felicidade da qual também compartilhava.
Às tantas da noite, para os noctívagos de então, era comum ver caminhar apressadamente sob uma mantilha de lã que a caracterizava, a “valise” que bem a caracterizava, a figurinha frágil e irrequieta sempre chamada a socorrer quem dela precisasse e reclamasse os seus cuidados. Pobres eram os recursos de então, porém a dedicação, carinho e a esperança dispensados por quem fez da profissão um sacrifício, supriam pela fé e a confiança as faltas que hoje são melhores e mais proveitosamente resolvidas pela ciência.
Faleceu NHÁ VITA! Sessenta ou mais anos foram dedicados a esse sacrossanto [sagrado] mister. Manchadas de alegrias e felicidades se distribuíram por quem às vezes também pranteava desventuras e tristezas. Sempre viveu no anonimato. Na sua simplicidade nunca distinguiu crenças, raças ou posições e assim tornou-se credora da estima e consideração geral.
Sorridente e alegre adentrava o novo solar e, com as mesmas expressões de alegria e sorriso transparente, saía para a humilde choupana.
Findou-se NHÁ VITA e com ela uma consequência de fatos que dignificam a gloriosa trajetória de quem soube praticar o bem!
No ser humano é uma constante o reconhecimento dos atos nobres. Para tanto se distribuem títulos e galardões discutíveis e indiscutíveis; a Vitalina Mendes é justo que se outorgue, genufletos [ajoelhados] e agradecidos, embora “post-mortem” [após a morte], e sem dúvida alguma que se incida em erro, o título mais expressivamente conquistado na pressão para a perfeita um desabafo: “MÃE QUERIDA DE TODOS AQUELES QUE VIU NASCER.”
FRAMEN
A Família e demais parentes da sempre lembrada chefe
VITALINA MENDES (NHÁ VITA) agradecem de todo coração, aos que os auxiliaram durante a sua enfermidade e morte, aos que velaram o seu corpo, enviaram flores, pêsames e acompanharam-na até a sua última morada. Deixam aqui, nesse agradecimento, a eterna gratidão de toda a família.
São Roque, 31-10-1964

RESUMO

– Nhá Vita era conhecida como “A Mãe São-roquense” por sua dedicação como parteira.

  • Faleceu em 27 de outubro de 1964, aos 93 anos, deixando filhos, netos, bisnetos e uma tataraneta.
  • A Câmara de São Roque instituiu a Medalha do Mérito Nhá Vita em sua homenagem, projeto da vereadora Cláudia Rita Duarte Pedroso.
  • Foi homenageada com o nome de uma rua na Vila Junqueira ainda em vida.
  • Nhá Vita (Vitalina Mendes) (1871–1964)
    Cônjuge: Luiz Mendes
    Filhos:
    Benedita Mendes (solteira)
    Blandina Mendes Júdica casada com Ettore Júdica
    Roque Mendes casado Felícia Squilaro Mendes
    Mário Mendes (falecido quando da morte da mãe) casado Amélia Ferrarini Mendes
    Netos: 19 (quando do falecimento)
    Bisnetos: 31 (quando do falecimento)
    Tataraneta: 1 (quando do falecimento)

Vander Luiz

São-roquense, radialista e jornalista

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